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Água para beber ouvir - Rios de por aí
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MEMORIAL DO PROCESSO

do começo

         A disciplina de Encenação Teatral II tem como objetivo central proporcionar experiências de direção aos alunos participantes da disciplina. Visa a “construção de projetos de montagem teatral e encenação orientada” (P.E., 2017, p.1), bem como o envolvimento, desenvolvimento e direção de uma produção teatral a partir das experiências formativas em teatro durante a graduação e fora dela. Seus referenciais teóricos se sustentam nas produções teóricas e práticas da Direção Teatral no Brasil e no mundo, e a partir dos diversos eixos do curso: pedagógico, prático e de teoria e história do Teatro. Isso nos atenta para uma produção preocupada e engajada com a articulação dos conhecimentos estabelecidos e em construção pela área, não dentro da falácia de se compreender o todo mas na complexidade de se conhecer o mínimo.

O processo de encenação denominado a “Experiência”, busca problematizar a questão ditatorial no Brasil na década de 60, levantando questões e desenvolvendo cenas improvisacionais a partir de documentos desse período previamente selecionados. Iniciamos o processo com uma experiência de imersão que buscava introduzir algumas noções de grupo e apresentando introdutoriamente a questão abordada. 

Documento 01: Anselmo de Cabo a Rabo. Documento utilizado para a investigação histórica e a prática de cenas. Fonte: documentosrevelados.com.br/

primeiro encontro
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primeiro encontro
primeiro encontro
primeiro encontro
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        Nos debruçamos em uma base documental do período ditatorial fazendo um recorte relativo aos laudos de exumação e uma publicação de jornal abordando a homossexualidade, datada da mesma época. Nesse momento do processo, enquanto diretor, comecei a compreender a necessidade e a importância de um recorte bem feito para o desenvolvimento da produção visto que o tema pode ser visto, explorado e abordado sob inúmeras angulações e prismas. A proposta inicial do projeto visava, de uma forma muito ampla, abordar a ditadura militar no Brasil traçando paralelos com a contemporaneidade e com as opressões dos atores e das atrizes envolvidas no processo. A partir dos laudos  de exumação contidos nos site Documentos Revelados desenvolvemos explorações cênicas improvisacionais buscando alimentar a composição com o material obtido nos documentos. A partir deste  laudo de exumação (clique para saber mais) desenvolvemos uma primeira investigação: 

Meu canal

Meu canal

Assista agora

Apresentação do projeto "Experiência" e equipe durante o seminário realizado para a disciplina de Encenação Teatral II.
29 DE OUTUBRO, 2017. Foto: Adriano Moraes

 

do caminho percorrido e da vista para fora e para dentro: reflexões

       O processo encontra-se em um ponto delicado da sua produção. Muitos dos atores e das atrizes encontram-se envolvidos em diversas produções, outras montagens da disciplina ou produções independentes pela cidade. O que me possibilita compreender uma série de questões relativas ao processo, como ausências e em determinados momentos, uma ‘secundarização’ do processo que aqui relato. É de suma importância ressaltar que a produção de teatro independente de Pelotas tem crescido e muito se dá por esse processo de envolvimento simultâneo de diversas pessoas nos mais variados tipos de produções teatrais. Esse movimento é fundamental para o fortalecimento do Teatro na cidade de Pelotas e traz consigo uma outra dinâmica para a cultura e sustentabilidade cênica da e na cidade.    

             Dada a devida importância ao crescente movimento teatral na cidade, encontro-me no momento em que paro para refletir justamente acerca da “Experiência” dentro dessa produção teatral Pelotense e dentro do meu percurso formativo como diretor e ator. Me interessa compreender quais são as estruturas de envolvimento que mantém determinados artistas que compõem a ‘experiência’ mais ligados a outros processos do que este. Levanto então algumas questões importantes para começar a explorar a questão refletindo sobre a responsabilidade do diretor enquanto estimulador e condutor de um processo teatral.                                                                                                                                                                                                                                        

     Desde o primeiro encontro percebemos a densidade de trabalhar um tema tão complexo e opressivo quanto a ditadura militar foi nesse país; reinvestigar memórias que são esquecidas e apagadas, vidas e mortes. Esse período ainda se manifesta em diversas instancias e recentemente o campo das artes (visuais, cênicas, musicais...) tem sentido o impacto das manifestações de um possível retorno, com censuras a produções teatrais e fechamentos de museus e exposições, por exemplo. Daí a importância de assumir a temática e desvelar pequenas questões que circundam esse período já encerrado na linha histórica mas emergente na contemporaneidade.

           Saímos das primeiras experimentações densos, em silêncio. A temática nos atravessava de tal maneira que mal podíamos continuar os trabalhos sem uma pausa para descansar e alguns cigarros. Trabalhamos em terreno fértil de exploração, o improviso e para isso necessitamos vislumbrar o processo como uma casa em construção, um caminho que pode ser instável em determinados momentos mas firme na medida em que se trabalha. (clique aqui e confira o rastro  de uma cena da "experiência").

O campo improvisacional para alguns artistas se evidenciava como um campo inseguro de trabalho, ele demanda escolhas e coragem, caminhos necessários para a construção da casa e também da obra. É um espaço desconfortável que demanda se assumir enquanto artista que FAZ. Nesse momento do curso, e também junto aos grupos Ruidosa Alma e Artêmista, inicio minhas experiências com direção teatral, compreendendo esse processo sob diversos prismas.
 

Essas breves, porém, intensas experiências atentam-me para o que um processo teatral necessita como premissa básica, o diálogo. Durante a ‘experiência’, o diálogo propõe-se numa via horizontal buscando compreender e avaliar em grupo as decisões tomadas. A partir da minha investigação como diretor e ator, vejo a horizontalidade como um pilar fundamental para desenvolvimento de um trabalho criativo, pulverizando o poder do diretor para os diversos eixos da produção de um experimento cênico ou espetáculo. É muito importante para mim que nesse processo, esse fundamento mínimo (o diálogo horizontal), mantenha-se de forma concreta visto que ao abordamos uma temática tão opressiva quanto o contexto de militarismo no Brasil não reverberemos esses poderes e discursos de opressão nas microesferas de relação.Durante o processo busquei levar em conta esses aspectos primando pela sua manutenção. Até o presente momento o processo teve 04 encontros nos quais desenvolvemos duas cenas a partir de laudos de exumação datados no período ditatorial e também uma publicação de jornal do mesmo período. Ser diretor ou estar diretor, é processo semelhante ao trabalho de ator ou de atriz, ele demanda tempo de trabalho, de estudo prático e teórico e o que pode ser visto como o mais difícil, a tomada de decisão. O ato de assumir uma escolha a partir de uma proposta e defende-la diante de um público. 
É importante ressaltar que, por mais dificultoso que o processo venha a se apresentar ele pode ser apreendido como experiência pedagógica, com um potencial de formação nos diversos eixos da criação em teatro. Ao me deparar com uma série de questões para serem resolvidas, problemas para serem solucionados, decisões a serem tomadas, campos a serem articulados iniciei um processo de aproximação da prática de direção em teatro com a minha formação enquanto ator e performer concebendo essas mesmas questões como caminhos comuns entre “a arte de conduzir processos criativos” e o trabalho de ator. Transformar a dificuldade do processo criativo em construção de conhecimento tem sido a herança especial das reflexões pedagógicas acerca do teatro averiguadas durante o meu trajeto em uma licenciatura em Teatro.
Muitas questões são levantadas nesse momento, fazem parte do percursso criativo que o grupo assumiu. Pela fragibilidade do processo penso em propor que não nos apresentemos na segunda mostra de processos da disciplina. É incrível pensar minha trajetória nas disciplinas de Encenação Teatral I e II, próximas por natureza mas que eu enquanto sujeito caminhei por vias distintas nessas duas experiências. A primeira com uma manifestação cênico-performática que dialogava o seu processo de criação com a produção de vídeo para cena, em um processo concebido a partir de programas onde dirigi um ator e também me dirigi. Na segunda uma experiência que se propôs a trabalhar com um grupo grande, 15 pessoas no total, compondo os diversos eixos da produção desse experimento: elenco, composição musical, identidade visual e direção. Em ambos experienciei vias de direção singulares configurando assim processos em direção que compõem hoje o meu itinerário de criação. Concebo o processo como um caminho fundamental, onde se constroem os alicerces da obra, onde se dão algumas das relações do processo de ensino-aprendizagem em teatro e onde se manifestam (conforme cada proposta) as identidades de cada atuador, atuadora, atriz, ator ou performer.
Conceber uma postura diretiva, condutora de processos, que te represente ideológica e artisticamente é um caminho complexo que rememora outras experiências artísticas, como aquelas em que já fui dirigido. Esses processos de formação artística compõem um riquíssimo itinerário de parâmetros nos quais me fundo para perceber minha atuação como diretor percebendo esses momentos como fenômenos pedagógicos potentes. Nem todos os processos criativos pelos quais passei (sendo dirigido) concebo como uma prática que represente minha compreensão acerca da direção teatral. Alguns tornam-se parâmetro para condutas que não tomarei e aí então tornam-se potentes enquanto fenômenos pedagógicos, concebendo aqui pedagogia como aquilo que se apreende.

 

O PESSIMÍSMO - "A EXPERIÊNCIA". João Vitor, Brenda Seneme e Kellen Ferreira. | Parte 2 

RASCUNHO DE ATMOSFERA - Breve recorte de um momento. Grupo de "A EXPERIÊNCIA". novembro de 2017

Exercício e cena:  EXPLOSÃO

alguns estímulos

As atrizes e atores desenvolvem suas investigações cênicas alegorizando alguns dos sentimentos levantados durante o processo de estruturação das cenas em relação ao período ditatorial no Brasil. 

© 2017 por Raphael Rosário

um pouco antes do começo

Eu não me recordo ao certo o primeiro momento que me coloquei em uma situação de direção, dessas que convencionamos dentro das práticas teatrais. Talvez tenha sido dentro de alguma brincadeira de infância onde fazia proposições aos meus amigos, tão pequenos e tão grandes. Houve, desde a infância, uma vontade de brincar com teatro, com representação e com uma série de outras coisas que eu nem sei se tem nome ao certo, mas isso não era uma preocupação naquela época. As brincadeiras na infância apenas eram e a beleza morava aí: no SER. Como a precisão para esses primeiros momentos não é tão segura, rememoro meu processo com Teatro (e com a direção) dentro da escola. Na oitava série, sempre em negociata com os professores, a turma acordou que a melhor forma para investigar a trajetória de Jânio Quadros naquele momento seria através de uma peça teatral. Naquele momento, assumimos todas as funções referentes ao processo construção de uma peça teatral, da produção à encenação. A vontade e o empenho da turma para o processo se dividia entre aqueles que queriam produzir e fazer parte do processo, e aqueles que se viam obrigados a realizar o processo por uma força institucional. 

Alguns dos atores e atrizes da peça em apresentação na EMEF Alexandre Tramontini, em Espumoso. Foto: Jéssica Vieira, 2011.

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Como meu desejo de trabalhar com teatro sempre esteve muito presente e, frequentemente era atribuída a mim a função organizar boa parte das programações e apresentações artísticas das turmas que participei, realizei buscas pela internet até encontrar um texto que relatava um possível diálogo entre Jânio Quadros e Che Guevara. O texto falava de um encontro, realizado no Palácio das Laranjeiras, sobre a condecoração do Cruzeiro do Sul dada a Che Guevara, pelo então presidente do Brasil, Jânio Quadros. Decoramos os textos e, simultâneo a isso, produzíamos o cenário (feito com recortes de jornais), o figurino e buscávamos alternativas de envolver todas aquelas pessoas que não se sentiam tão à vontade com a prática teatral, mas que de alguma forma, deveriam estar presentes no processo. Haviam poucos personagens com falas, o que dialogava diretamente com o número de interessados em falar durante peça. Porém, havia ainda uma turma toda que deveria participar da encenação mas que não se sentia à vontade, ou não queriam, ter que decorar falas. Resolvemos então, criar um personagem que era feito por todas essas pessoas, o que chamamos de coro ou coral. Esse coro intervinha na peça com canções (como o jingle da campanha de Jânio Quadros para a sua eleição, o boi da cara preta, dentre outras...) e também era responsável por momentos coreografados da peça. Hoje, refletindo sobre esse processo recordo-me de como se deram essas investigações, quais os caminhos que percorremos e uma questão ecoa e me faz refletir sobre o momento que estou vivendo hoje: Só fizemos, por que fizemos sem medo de errar. Tudo que foi feito, foi feito de forma autônoma. Na nossa escola não haviam professores de Teatro, tão pouco a preocupação com essa ausência. Os trabalhos teatrais desenvolvidos eram estruturados diante de muito esforço dos alunos que queriam trabalhar com essa linguagem ainda tão desvalorizada dentro das escolas. JÂNIO QUADROS, a peça que fez parte da história da escola Rui Piégas da Silveira e que também fez parte da história de cada um dos envolvidos é, sem dúvida, um processo dos quais mais me orgulho ter participado. Cheio de singularidades e investigações sem medo, momento distinto desse que passo. Parece que as responsabilidades são outras estando em uma faculdade de Teatro e encarando isso como sua profissão, mas acima de tudo vida. Isso é apenas um exercício, uma experiência. 

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